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moony

Elastika
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  1. Um pouco de história A NATO, em articulação com a Base das Lajes, foi um importante sustentáculo do regime fascista, um apoio notório, ainda que semi-clandestino, ao esforço de guerra colonialista, um aguilhão e uma garantia de segurança para as conspirações contra o 25 de Abril e, finalmente, a escola de formação dos altos dirigentes militares que dirigiram a guerra colonial, a perderam e depois mantiveram as Forças Armadas imutáveis e sempre prontas a repetirem esses gloriosos tempos, apagando delicadamente o sobressalto hirsuto do PREC.. A NATO teve e tem um papel decisivo na criação de uma elite política e de uma elite militar subservientes e ideologicamente preparadas para colocar Portugal, o seu território e o seu ânimo, como instrumento directo da estratégia dos EUA. Com a NATO, as FA’s portuguesas tornaram-se no primeiro factor, usado pelo poder político, de alienação dos altos valores que é suposto, constitucionalmente, defenderem: a soberania, o território e a liberdade. A credenciação NATO, negada aos mais eminentes dirigentes do 25 de Abril, é disso exemplo descarado. Por seu lado o General da CIA Vernon Walkers lamentava em visita a Lisboa, em 1974, a prisão desses “1800 bons portugueses” que eram os PIDES. Foi atendido no seu estremecimento como todos nos lembramos. O aeroporto das Lajes foi construído sob a supervisão do General Humberto Delgado, que teve um papel decisivo para colocar a base ao serviço dos aliados, depois de muitas hesitações de Salazar quanto à colaboração com os ingleses na defesa do Atlântico Norte contra os ataques dos submarinos nazis. Antes, em 1944, foi construído pelas Forças Armadas norte-americanas um aeródromo na ilha de Santa Maria, servindo de plataforma de passagem de tropas.Durante décadas, a infra-estrutura foi o principal motor económico da ilha, já que representava uma escala obrigatória para os aviões que cruzavam o Atlântico. Esta não foi a primeira incursão dos EUA nos Açores. Desde os fins do século XIX, quando o imperialismo norte-americano se assume em definitivo, depois das vitórias sobre os espanhóis em Cuba e nas Filipinas, que os EUA manifestaram interesse em ter uma base naval nos Açores chegando a concretizar-se esse interesse ainda durante a primeira guerra mundial com uma base naval da marinha dos EUA em S. Miguel. Depois da saída dos ingleses da Terceira, os EUA ocuparam o aeródromo das Lajes. Desde esse dia 6 de Setembro de 1951, a Base das Lajes ficou hipotecada à estratégia dos EUA . A utilização da Base das Lajes assegurou uma certidão de bom comportamento para o Estado fascista e sua aceitação como membro de pleno direito da NATO . O fascismo derrotado em todo o mundo, podia continuar no seu avatar luso, complemento do ibérico, em estreita relação com a democracia vitoriosa na Europa. As esperanças do povo portugês com a derrota dos nazis, não foram correspondidas pelas potências ocidentais. Estas preferiram contar com um ultracolonialismo fascista, em última instância subordinado, do que apoiar qualquer movimentação política democrática. Durante os anos da guerra colonial com a Base das Lajes Salazar assegurou a neutralidade formal dos EUA na ONU, abstendo-se nas muitas resoluções condenatórias (apesar de no terreno apoiarem a FNLA e a UNITA,) e equivaleu ainda a uma garantia para utilização de material NATO na guerra colonial. As autoridades portuguesas sempre fizeram alarde das vantagens socioeconómicas da presença dos EUA nas Lajes, o que não passou e não passa de mais um salamaleque de servo integral, pois ninguém é capaz de se lembrar de quais são essas vantagens. Na renovação do acordo em 1979 (até 83) foram assegurados 80 milhões de dólares para a economia dos Açores e 60 para gastar em armas dos EUA, para a formação da Brigada NATO (blindada aerotransportada). O antigo Presidente do Governo Regional e ex-Presidente da AR Mota Amaral, fala em meio bilião de dólares de benefícios globais. Ele saberá do que fala. Ainda como compensação material pela utilização da Base das Lajes, Portugal tem direito (obrigação!) à aquisição de material obsoleto aos Estados Unidos. Segundo o acordo de cooperação e defesa celebrado entre os EUA e Portugal, a utilização da Base para o trânsito de aviões militares norte-americanos decorre de compromissos no âmbito da NATO ou de missões internacionalmente homologadas. Basta um aviso prévio dos EUA, que normalmente não acontece ou acontece em cima da hora, ou é dito que aconteceu. A doutrina é clara: para que serve o aviso? Portugal concorda sempre. Essa autorização estendeu-se aos próprios voos israelitas quando Israel, no verão de 2006 invadiu o Líbano violando todas as nos«rmas internacionais, como aliás fizeram os EUA e a Grã-Bretanha em 2003 quando destroçaram o Iraque. A Base das Lajes tem 3 funções principais na estratégia dos EUA - defesa das rotas marítimas - estação de serviço e reabastecimanto - entreposto de armas nucleares. Durante a Guerra Fria, a maior parte do aviões de ataque e intercepção destinados a Israel, Itália, Espanha, Inglaterra e Alemanha, com uma autonomia inferior às 2500 milhas (F100, F105, F4 e F15A) faziam ali escala. A presença de armas nucleares na Base das Lajes nunca foi contestada pelo Estado português e a população açoreana sempre foi mantida na ignorância dos riscos que corria e corre com o estacionamento de submarinos nucleares no porto de Vila Praia da Vitórian e ao largo do arquipélago. Assim como nada se sabe da instalação quase certa de silos de armas nucleares na Base e no interior da Ilha. A denúncia feita por mim em 1980 na Assembleia da República da mais que provável existência e do trânsito de armas nucleares nos Açores, mereceu o mais surpreendente silêncio da parte dos principais partidos. Os EUA começaram por usar a base como ponto de abastecimento e depósito dos voos transatlânticos para África. As Lajes permitiram à força aérea dos EUA encurtar os voos em cerca de 70 a 40 horas duplicando a capacidade de fornecimentos à frente africana. Depois tornou-se base de abastecimento durante a guerra fria. Sem ela os EUA e toda a Europa Ocidental teriam falhado na necessária cobertura durante todo aquele período. Em consequência, em 1953, a base foi transformada na 1605ª Base Aérea. Durante a maior acção de Guerra, na Guerra do Golfo, as Lajes desempenharam um importante papel desde o primeiro dia e apoiaram mais de 12.000 aeronaves.Todas as operações principais dos EUA na Europa, Sudoeste asiático e África, utilizaram o apoio da base das Lajes. Destacam-se as operações Vigilância no Sul em 1994 e Tempestade do Deserto em 1998. Se os EUA decidirem abandonar a base das Lajes, podem remover qualquer material móvel (equipamento, maquinaria, abastecimentos, estruturas temporárias) que lhes pertença. No entanto, Portugal terá que pagar aos norte-americanos o equipamento que considere essencial manter para o funcionamento da base aérea das Lajes. Os norte-americanos não pagam renda pela utilização das instalações onde se movimentam, em tempo de paz, cerca de 6500 pessoas. O comando norte-americano da Base das Lajes foi e continua a ser fértil em violações graves da Lei portuguesa no que toca aos direitos dos trabalhadores, rebaixando-se sistematicamente o Estado português à vontade do inquilino/dono. Em 1995, entrou em vigor o Acordo de Cooperação e Defesa entre Portugal e os EUA, assim como o Acordo Técnico e o Acordo Laboral que regulam a utilização das Lajes e revogam todos os acordos bilaterais existentes até à data. No entanto continua a não haver “memória de nenhuma decisão favorável aos trabalhadores que tenha sido respeitada pelos americanos, seja efectuando a sua reintegração ou pagando indemnizações" dizem os sindicatos. A situação laboral que se vive na Base das Lajes, em resultado, designadamente, do incumprimento sistemático do acordo laboral e do regulamento de trabalho assinado pelos governos de Portugal e dos Estados Unidos da América levou mais uma vez, há um ano, a comissão de trabalhadores portugueses na Base das Lajes a denunciar que alguns alguns artigos do acordo em causa "são claramente violados" pelos norte-americanos, caso do regulamento de trabalho e pagamento de retroactivos e de horas extraordinárias. Existe, ainda, uma clara ocupação de postos de trabalho portugueses por civis norte-americanos, na situação de dependentes, problemas para os quais, até à data, não têm existido uma solução aparente. Stop NATO
  2. Petição Pelo Referendo ao Tratado de Lisboa To: Exmo. Senhor Presidente da Assembleia da República PETIÇÃO PELO REFERENDO AO TRATADO DE LISBOA O Tratado de Lisboa, também designado como Tratado Reformador, marca um momento decisivo na história dos cidadãos europeus. Mas a quase totalidade das pessoas desconhece o Tratado que lhes determinará muito da sua vida. A nós, portugueses, foi prometida informação, esclarecimento e possibilidade de escolha. Foi prometido no programa eleitoral do Partido Socialista e solenemente reiterado no Programa de Governo. E o prometido é devido! Os portugueses têm o direito a conhecer e a escolher o que determina as decisões fundamentais. Aquelas que têm a ver com a política monetária, com implicações no emprego e nas políticas orçamentais, com a protecção ambiental e a identidade marítima do país, com soluções de paz para conflitos internacionais. Queremos que se cumpra a promessa do referendo e que cada eleitor exerça o seu direito democrático de dizer sim ou não. Assim, cumprindo os preceitos constantes da Lei Orgânica do Regime do Referendo, Lei 15-A/98 de 3 de Abril, propomos a realização de um referendo sobre algumas das matérias fundamentais do Tratado de Lisboa com as seguintes três perguntas: 1.Concorda que a gestão dos recursos biológicos do mar seja uma competência exclusiva da União Europeia? 2.Concorda que o Parlamento Europeu não possua nenhum mecanismo de tutela sobre o Banco Central Europeu (BCE), de forma a influenciar a condução da sua política monetária? 3.Concorda que os Estados-membros reforcem progressivamente as suas capacidades militares, no âmbito dos compromissos com a NATO? Petição
  3. Humm... tens a certeza? A mim parece-se mais com aquela... untz untz untz untz pa... untz untz untz untz...
  4. moony

    Filmes a ver!!

    "O fiel jardineiro", do realizador de "Cidade de Deus", Fernando Meireles. Penso que já foi referido neste tópico, mas de facto é um filme que dificilmente deixa alguém indiferente.
  5. Os centros de saúde fornecem preservativos e pílula gratuitamente, queres mais facilidade de acesso? Só se andarem de porta em porta a distribui-los... Vergonha em comprar = "Olha ... aconteceu" = "Agora assumo as consequências..." A caixa do supermercado não é responsável, nem tem de ser, pelos tabus dos outros, apesar de achar que poderia ter sido mais discreta. Daí eu dizer que este episódio não está propriamente relacionado com o combate à sida.
  6. Não percebo o que é que este episódio tem a ver com o combate à sida... Já é tempo de se perder a vergonha por comprar preservativos. Nesta altura do campeonato, a vergonha é mesmo não usá-los.
  7. Eu acho que há falta de orientação aos jovens nesse sentido. Aos 18 ou 19 anos, idade em que a maioria ingressa no ensino superior, nem sempre se sabe aquilo que se quer da vida, nem se tem propriamente visão para analisar o mercado e fazer escolhas. Além de que muita gente tira determinado curso porque era o único para o qual tinha média. Talvez devesse haver, no 12º ano, acompanhamento aos jovens, no sentido de informar e orientar, para que estes possam fazer melhores escolhas.
  8. Pa proxima vê se te apresentas, pa bebermos essas hehehehhe kiss* Eu até me apresentava... mas a quem? Não te conheço, pá.
  9. D-Tector, assim de repente lembro-me também de Joaquim Pina Moura, ministro da economia na altura de António Guterres, que foi administrador da Media Capital e presidente da Iberdrola e que antes do cargo governativo era assistente no Instituto Superior de Economia e Gestão. Anjuna, de facto estava a colocar tudo no mesmo saco, corrupção e evasão fiscal, se bem que para mim está tudo relacionado, assim como crimes de fraude, peculato, etc. Não deve ser fácil tomar medidas no sentido de controlar e combater o tráfico de influências, o nosso maior cancro.
  10. Ainda não experimentei, mas parece-me uma boa ideia para longas viagens de carro.
  11. Estás perdoado. Já agora, como é que se faz isso? Põe-se um anúncio no jornal? É que eu tenho aqui um premiozito para trocar... Apesar das várias medidas para combater a corrupção, ela nunca vai acabar. No geral, o povo nem parece importar-se muito, já que idolatram pessoas como Fátima Felgueiras, Pinto da Costa, Valentim Loureiro, entre outros. Mas se é primeiro-ministro... Basicamente, temos o que merecemos.
  12. O povo português é demasiado apático para isso. Mas experimentem acabar com o futebol... Kuntact, abres um tópico sobre corrupção, aparentemente indignado, e depois dás uma dica sobre como praticá-la e promovê-la? Como disse o anjuna, a corrupção é algo intrínseco à nossa sociedade e geralmente quem reclama é quem não pode usufruir dela ou então é prejudicado quando ela existe.
  13. Gostei bastante! Bom ambiente, malta bem disposta, boa música, gostei principalmente do electro no piso de baixo. Só faltou mesmo o solinho pela manhã, naquele terraço fantástico...
  14. Se desejas tanto a liberdade e a felicidade, porque não vês que trazes ambas dentro de ti? Diz que são tuas e tê-las-ás. Age como se fossem tuas e sê-lo-ão. Richard Bach
  15. Parece-me que vou rever os meus habitantes de Coimbra preferidos!
  16. Têm que chutar quando ele estiver com o rabo mais próximo do chão. Assim, ele voa mais.
  17. Como é que se cala putos histéricos? Os filhos dos meus vizinhos começam a dar-me cabo dos nervos... Ainda me torno uma assassina de criancinhas...
  18. Ó John, é para isso que serves, abrir frascos e ler mapas?
  19. A sério que a Ana Malhoa vos assusta mais do que este gajo (o da direita)? Já imaginaram cruzarem-se com ele à noite, ao dobrar uma esquina?
  20. Texto lido na cerimónia de encerramento do Fórum Social Mundial 2002 Começarei por vos contar em brevíssimas palavras um facto notável da vida camponesa ocorrido numa aldeia dos arredores de Florença há mais de quatrocentos anos. Permito-me pedir toda a vossa atenção para este importante acontecimento histórico porque, ao contrário do que é corrente, a lição moral extraível do episódio não terá de esperar o fim do relato, saltar-vos-á ao rosto não tarda. Estavam os habitantes nas suas casas ou a trabalhar nos cultivos, entregue cada um aos seus afazeres e cuidados, quando de súbito se ouviu soar o sino da igreja. Naqueles piedosos tempos (estamos a falar de algo sucedido no século XVI) os sinos tocavam várias vezes ao longo do dia, e por esse lado não deveria haver motivo de estranheza, porém aquele sino dobrava melancolicamente a finados, e isso, sim, era surpreendente, uma vez que não constava que alguém da aldeia se encontrasse em vias de passamento. Saíram portanto as mulheres à rua, juntaram-se as crianças, deixaram os homens as lavouras e os mesteres, e em pouco tempo estavam todos reunidos no adro da igreja, à espera de que lhes dissessem a quem deveriam chorar. O sino ainda tocou por alguns minutos mais, finalmente calou-se. Instantes depois a porta abria-se e um camponês aparecia no limiar. Ora, não sendo este o homem encarregado de tocar habitualmente o sino, compreende-se que os vizinhos lhe tenham perguntado onde se encontrava o sineiro e quem era o morto. "O sineiro não está aqui, eu é que toquei o sino", foi a resposta do camponês. "Mas então não morreu ninguém?", tornaram os vizinhos, e o camponês respondeu: "Ninguém que tivesse nome e figura de gente, toquei a finados pela Justiça porque a Justiça está morta." Que acontecera? Acontecera que o ganancioso senhor do lugar (algum conde ou marquês sem escrúpulos) andava desde há tempos a mudar de sítio os marcos das estremas das suas terras, metendo-os para dentro da pequena parcela do camponês, mais e mais reduzida a cada avançada. O lesado tinha começado por protestar e reclamar, depois implorou compaixão, e finalmente resolveu queixar-se às autoridades e acolher-se à protecção da justiça. Tudo sem resultado, a expoliação continuou. Então, desesperado, decidiu anunciar urbi et orbi (uma aldeia tem o exacto tamanho do mundo para quem sempre nela viveu) a morte da Justiça. Talvez pensasse que o seu gesto de exaltada indignação lograria comover e pôr a tocar todos os sinos do universo, sem diferença de raças, credos e costumes, que todos eles, sem excepção, o acompanhariam no dobre a finados pela morte da Justiça, e não se calariam até que ela fosse ressuscitada. Um clamor tal, voando de casa em casa, de aldeia em aldeia, de cidade em cidade, saltando por cima das fronteiras, lançando pontes sonoras sobre os rios e os mares, por força haveria de acordar o mundo adormecido... Não sei o que sucedeu depois, não sei se o braço popular foi ajudar o camponês a repor as estremas nos seus sítios, ou se os vizinhos, uma vez que a Justiça havia sido declarada defunta, regressaram resignados, de cabeça baixa e alma sucumbida, à triste vida de todos os dias. É bem certo que a História nunca nos conta tudo... Suponho ter sido esta a única vez que, em qualquer parte do mundo, um sino, uma campânula de bronze inerte, depois de tanto haver dobrado pela morte de seres humanos, chorou a morte da Justiça. Nunca mais tornou a ouvir-se aquele fúnebre dobre da aldeia de Florença, mas a Justiça continuou e continua a morrer todos os dias. Agora mesmo, neste instante em que vos falo, longe ou aqui ao lado, à porta da nossa casa, alguém a está matando. De cada vez que morre, é como se afinal nunca tivesse existido para aqueles que nela tinham confiado, para aqueles que dela esperavam o que da Justiça todos temos o direito de esperar: justiça, simplesmente justiça. Não a que se envolve em túnicas de teatro e nos confunde com flores de vã retórica judicialista, não a que permitiu que lhe vendassem os olhos e viciassem os pesos da balança, não a da espada que sempre corta mais para um lado que para o outro, mas uma justiça pedestre, uma justiça companheira quotidiana dos homens, uma justiça para quem o justo seria o mais exacto e rigoroso sinónimo do ético, uma justiça que chegasse a ser tão indispensável à felicidade do espírito como indispensável à vida é o alimento do corpo. Uma justiça exercida pelos tribunais, sem dúvida, sempre que a isso os determinasse a lei, mas também, e sobretudo, uma justiça que fosse a emanação espontânea da própria sociedade em acção, uma justiça em que se manifestasse, como um iniludível imperativo moral, o respeito pelo direito a ser que a cada ser humano assiste. Mas os sinos, felizmente, não tocavam apenas para planger aqueles que morriam. Tocavam também para assinalar as horas do dia e da noite, para chamar à festa ou à devoção dos crentes, e houve um tempo, não tão distante assim, em que o seu toque a rebate era o que convocava o povo para acudir às catástrofes, às cheias e aos incêndios, aos desastres, a qualquer perigo que ameaçasse a comunidade. Hoje, o papel social dos sinos encontra-se limitado ao cumprimento das obrigações rituais e o gesto iluminado do camponês de Florença seria visto como obra desatinada de um louco ou, pior ainda, como simples caso de polícia. Outros e diferentes são os sinos que hoje defendem e afirmam a possibilidade, enfim, da implantação no mundo daquela justiça companheira dos homens, daquela justiça que é condição da felicidade do espírito e até, por mais surpreendente que possa parecer-nos, condição do próprio alimento do corpo. Houvesse essa justiça, e nem um só ser humano mais morreria de fome ou de tantas doenças que são curáveis para uns, mas não para outros. Houvesse essa justiça, e a existência não seria, para mais de metade da humanidade, a condenação terrível que objectivamente tem sido. Esses sinos novos cuja voz se vem espalhando, cada vez mais forte, por todo o mundo são os múltiplos movimentos de resistência e acção social que pugnam pelo estabelecimento de uma nova justiça distributiva e comutativa que todos os seres humanos possam chegar a reconhecer como intrinsecamente sua, uma justiça protectora da liberdade e do direito, não de nenhuma das suas negações. Tenho dito que para essa justiça dispomos já de um código de aplicação prática ao alcance de qualquer compreensão, e que esse código se encontra consignado desde há cinquenta anos na Declaração Universal dos Direitos Humanos, aqueles trinta direitos básicos e essenciais de que hoje só vagamente se fala, quando não sistematicamente se silencia, mais desprezados e conspurcados nestes dias do que o foram, há quatrocentos anos, a propriedade e a liberdade do camponês de Florença. E também tenho dito que a Declaração Universal dos Direitos Humanos, tal qual se encontra redigida, e sem necessidade de lhe alterar sequer uma vírgula, poderia substituir com vantagem, no que respeita a rectidão de princípios e clareza de objectivos, os programas de todos os partidos políticos do orbe, nomeadamente os da denominada esquerda, anquilosados em fórmulas caducas, alheios ou impotentes para enfrentar as realidades brutais do mundo actual, fechando os olhos às já evidentes e temíveis ameaças que o futuro está a preparar contra aquela dignidade racional e sensível que imaginávamos ser a suprema aspiração dos seres humanos. Acrescentarei que as mesmas razões que me levam a referir-me nestes termos aos partidos políticos em geral, as aplico por igual aos sindicatos locais, e, em consequência, ao movimento sindical internacional no seu conjunto. De um modo consciente ou inconsciente, o dócil e burocratizado sindicalismo que hoje nos resta é, em grande parte, responsável pelo adormecimento social decorrente do processo de globalização económica em curso. Não me alegra dizê-lo, mas não poderia calá-lo. E, ainda, se me autorizam a acrescentar algo da minha lavra particular às fábulas de La Fontaine, então direi que, se não interviermos a tempo, isto é, já, o rato dos direitos humanos acabará por ser implacavelmente devorado pelo gato da globalização económica. E a democracia, esse milenário invento de uns atenienses ingénuos para quem ela significaria, nas circunstâncias sociais e políticas específicas do tempo, e segundo a expressão consagrada, um governo do povo, pelo povo e para o povo? Ouço muitas vezes argumentar a pessoas sinceras, de boa fé comprovada, e a outras que essa aparência de benignidade têm interesse em simular, que, sendo embora uma evidência indesmentível o estado de catástrofe em que se encontra a maior parte do planeta, será precisamente no quadro de um sistema democrático geral que mais probabilidades teremos de chegar à consecução plena ou ao menos satisfatória dos direitos humanos. Nada mais certo, sob condição de que fosse efectivamente democrático o sistema de governo e de gestão da sociedade a que actualmente vimos chamando democracia. E não o é. É verdade que podemos votar, é verdade que podemos, por delegação da partícula de soberania que se nos reconhece como cidadãos eleitores e normalmente por via partidária, escolher os nossos representantes no parlamento, é verdade, enfim, que da relevância numérica de tais representações e das combinações políticas que a necessidade de uma maioria vier a impor sempre resultará um governo. Tudo isto é verdade, mas é igualmente verdade que a possibilidade de acção democrática começa e acaba aí. O eleitor poderá tirar do poder um governo que não lhe agrade e pôr outro no seu lugar, mas o seu voto não teve, não tem, nem nunca terá qualquer efeito visível sobre a única e real força que governa o mundo, e portanto o seu país e a sua pessoa: refiro-me, obviamente, ao poder económico, em particular à parte dele, sempre em aumento, gerida pelas empresas multinacionais de acordo com estratégias de domínio que nada têm que ver com aquele bem comum a que, por definição, a democracia aspira. Todos sabemos que é assim, e contudo, por uma espécie de automatismo verbal e mental que não nos deixa ver a nudez crua dos factos, continuamos a falar de democracia como se se tratasse de algo vivo e actuante, quando dela pouco mais nos resta que um conjunto de formas ritualizadas, os inócuos passes e os gestos de uma espécie de missa laica. E não nos apercebemos, como se para isso não bastasse ter olhos, de que os nossos governos, esses que para o bem ou para o mal elegemos e de que somos portanto os primeiros responsáveis, se vão tornando cada vez mais em meros "comissários políticos" do poder económico, com a objectiva missão de produzirem as leis que a esse poder convierem, para depois, envolvidas nos açúcares da publicidade oficial e particular interessada, serem introduzidas no mercado social sem suscitar demasiados protestos, salvo certas conhecidas minorias eternamente descontentes... Que fazer? Da literatura à ecologia, da fuga das galáxias ao efeito de estufa, do tratamento do lixo às congestões do tráfego, tudo se discute neste nosso mundo. Mas o sistema democrático, como se de um dado definitivamente adquirido se tratasse, intocável por natureza até à consumação dos séculos, esse não se discute. Ora, se não estou em erro, se não sou incapaz de somar dois e dois, então, entre tantas outras discussões necessárias ou indispensáveis, é urgente, antes que se nos torne demasiado tarde, promover um debate mundial sobre a democracia e as causas da sua decadência, sobre a intervenção dos cidadãos na vida política e social, sobre as relações entre os Estados e o poder económico e financeiro mundial, sobre aquilo que afirma e aquilo que nega a democracia, sobre o direito à felicidade e a uma existência digna, sobre as misérias e as esperanças da humanidade, ou, falando com menos retórica, dos simples seres humanos que a compõem, um por um e todos juntos. Não há pior engano do que o daquele que a si mesmo se engana. E assim é que estamos vivendo. Não tenho mais que dizer. Ou sim, apenas uma palavra para pedir um instante de silêncio. O camponês de Florença acaba de subir uma vez mais à torre da igreja, o sino vai tocar. Ouçamo-lo, por favor. ----------------- Vale a pena reflectirmos sobre isto, principalmente no que respeita à (pseudo) democracia.