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Hamilton Naki, Falecido Em Maio De 2005


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Hamilton Naki, falecido em Maio de 2005.

 

No dia 3 de Dezembro de 1967, o corpo de uma jovem mulher foi levado a

Hamilton Naki para dissecamento. Ela havia sido atropelada por um carro

enquanto comprava doces numa rua da Cidade do Cabo, na África do Sul. Os

ferimentos em sua cabeça eram tão severos que a sua morte cerebral foi

decretada no hospital, mas o seu coração, incólume, continuava a bater

furiosamente.

 

O Sr. Naki não deveria tocar aquele corpo. A jovem mulher, Denise Darvall,

era branca, e ele era negro. As regras do hospital, e até mesmo as leis do

apartheid do país, proibíam-no a acessar numa sala de operações segregada,

tratar de pacientes brancos ou envolver-se com enfermos caucasianos. Para o

Sr. Naki, entretanto, o hospital Groote Schuur fizera uma excessão secreta.

Aquele homem negro, com suas mãos firmes e hábeis e sua mente afiada como

navalha, era bom demais no trato delicado e sangrento de transplante de

orgãos.

 

O chefe cirurgião de transplante, um jovem elegante e sabidamente

temperamental Christiaan Barnard havia solicitado a presença de Naki em sua

equipe. E assim o hospital havia concordado, declarando, como o Sr. Naki

recordaria mais tarde: "Veja bem..., estamos autorizando voce a fazer isso,

mas saiba que voce é negro e que este sangue é branco. Ninguém deve saber

que voce está fazendo isso."

 

Ninguém, na verdade, veio a saber. Naquele dia de Dezembro, em um canto da

sala de operações, Barnard, num rasgo de publicidade preparava Louis

Washkansky, o primeiro paciente a receber um coração transplantado. Há uns

quinze metros dali, atrás de um painel de vidro, as mãos negras do Sr. Naki

removia o coração do cadáver branco e, por horas, canalizou todo vestígio

de sangue do orgão, substituindo-o pelo sangue de Washkansky. O músculo,

posto a bater novamente através de eletrodos, foi passado para o outro lado

do painel de vidro e o Dr. Barnard tornou-se, da noite para o dia, o mais

celebrado médico do mundo.

 

Em algumas das fotos pós-operação o Sr. Naki inadvertidamente apareceu,

sorrindo largamente sob o seu colete branco, ao lado de Barnard. Ele era "um

faxineiro", o hospital esclareceu, ou talvez "um jardineiro". Os arquivos do

hospital registravam-no como tal, ainda que o seu salário, algumas centenas

de dólares por semana, era equivalente ao de um técnico de laboratório.

 

Era o máximo que o hospital poderia pagá-lo, declararam mais tarde alguns

oficiais, para alguém que não possuía diploma. Outros questionamentos sobre

diplomas jamais existiram. Naki, nascido numa vila chamada

Ngcangane na parte leste da Cidade do Cabo, deixou a escola aos 14 anos,

quando a sua família não mais podia bancá-la. Sua vida caminhava para o de

um menino de pastoreio de gado, descalço, vestido em pele de animal, como a

maioria dos meninos conterrâneos. Ao invés disso, pegou carona até a Cidade

do Cabo em busca de trabalho, e conseguiu um emprego de cortador de grama e

ajudante de quadra de tênis na Escola de Medicina da Universidade da Cidade

do Cabo.

 

Um negro - mesmo um comprovadamente esperto e inteligente como Naki, e tão

imaculadamente vestido em camisa impecável e chapeu Homburg mesmo quando

trabalhava nos jardins da Universidade - não poderia aspirar ir muito longe.

Mas a sua sorte mudou quando, em 1954, o chefe do laboratório de pesquisas

animais da Escola de Medicina pediu a sua ajuda. Robert Goetz

precisava de alguém jovem e forte para segurar uma girafa enquanto que ele

dissecava o pescoço para verificar do porque das girafas não desmaiarem

quando bebem (relação tamanho do pescoço e movimento de absorção de

líquidos). Naki adaptou-se admiravelmente e logo foi contratado:

primeiramente para limpar gaiolas, em seguida para segurar e anestesiar os

animais, e a partir daí proceder cirurgias nas criaturas.

 

O laboratório era agitado, com cirurgias constantes de transplante em porcos

e cães para a preparação de médicos cirurgiões e, eventualmente, para

intervenções em humanos. Naki nunca aprendeu as técnicas formalmente; como

ele mesmo disse: "Eu aprendi com os meus olhos". Mas ele tornou-se um expert

em transplante de fígado, bem mais complicados do que transplante de

coração, e logo estaria ensinando aos outros. Por mais de 40 anos ele

instruiu milhares de cirurgiões iniciantes, muitos dos quais se tornaram

chefes de departamentos de hospitais. O Dr. Barnard admtiu -ainda que não

até 2001, prestes a falecer- que Naki foi provavelmente tecnicamente melhor

que ele mesmo era, e certamente mais habilidoso em suturamento de pontos

cirúrgicos.

 

Não-aclamado, embora detentor de modesto prestígio, Naki continuou a

trabalhar na Escola de Medicina até 1991. Quando se aposentou, conseguiu uma

pensão de jardineiro: cerca de 275 dólares por mês. Ele utilizou os seus

contatos médicos para conseguir fundos para uma escola rural e uma clinica

móvel na parte leste da capital, mas nunca usou dinheiro para si mesmo.

 

Como consequência, pôde pagar para apenas uma de suas cinco crianças para

terminar o ginásio. O reconhecimento, com a Ordem Nacional de Mapungubwe e

um título honorário em medicina pela Universidade da Cidade do Cabo, veio

apenas a alguns anos antes de sua morte, e bem depois do retorno da África

do Sul a uma administração negra.

 

Naki aceitou tudo com resignação. Amargura ou rancor não constavam em sua

natureza, e havia tido anos e anos de treinamento para aceitar a sua vida do

jeito que o apartheid a havia moldado. Naquele dia de Dezembro de 1967, por

exemplo, ao mesmo tempo em que Barnard era o centro da imprensa bajuladora,

Naki, como sempre, pegou um ônibus até sua casa. Greves, passeatas e

bloqueios policiais geralmente atrasavam o seu percurso aqueles dias. Quando

o ônibus chegava, transportava-o -em seu terno impecavelmente passado e os

seus sapatos meticulosamente engraxados- para o seu barraco de um quarto no

vilarejo de Langa. Por enviar a maior dos seus pagamentos

para a sua família e filhos, que morava em Transkei, ele não podia se dar ao

luxo de ter eletricidade e água corrente em casa. Mas podia comprar

diariamente o jornal, e lá, no dia seguinte, ele poderia ler as manchetes do

que havia feito, secretamente, com suas mãos negras, num coração branco.

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.110.

 

A vida tem uns caminhos estranhos...mas sempre funcionais. ;)

"Vive tudo o que puderes; é um erro não o fazeres. Não interessa tanto o que faças em particular, desde que tenhas a tua vida. Se não a tiveste, então o que tiveste? ... O que se perdeu, perdido está, podes ter a certeza... A altura certa é qualquer altura que tenhas a sorte de ainda ter... Vive!"

 

Henry James

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Até fiquei :mellow:

 

Obrigado por partilhares essa noticia, que eu desconhecia por completo.

» Hi5 «

 

O amor está no ar e a poluição a destruí-lo...

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Todas as ideias, frases e palavras por mim expressas e/ou escritas, representam única e exclusivamente a minha opinião, posição ou ponto de vista do tópico, assunto ou ideia em discussão.

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